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Tradução: Profissão em crise (2)

Não acredito que a tradução automática algum dia vá ser melhor do que uma tradução humana feita por alguém competente, porém, as traduções automáticas que tenho visto por aí já estão bem melhores que muita tradução humana feita por gente incompetente, que ainda por aí à solta, a assustar a gente. Na verdade, acho que, nos dias de hoje (e mesmo no futuro), a melhor tradução possível para qualquer tipo de texto é uma tradução automática revisada por um bom tradutor humano, alguém que esteja livre dos preconceitos contra a tradução automática, tão comuns entre nós. A tradução automática, além de umas tantas estultices que a turma mais conservadora adora apontar, tem diversas excelentes sacadas e, quando passa pelo crivo de quem sabe das coisas, produz um ótimo resultado final. A tradução automática funciona melhor quando o texto de partida é de boa qualidade. O duro, para a tradução automática, é enfrentar texto ruim. Se o texto entra ruim, sai pior ainda, essa é a verdade. Daí se pode de

Tradução: profissão em crise (1)

Esta é a primeira de várias postagens sobre a crise que está afetando nossa profissão (digo “nossa”, porque, aposentado ou não, continuo sendo tradutor). Espero que você goste e poste seu comentário, quer aqui, quer onde você viu o convite para ler esta postagem. A MTPE (Machine Translation Post Edition, MTPE, ou em português Pós-edição de tradução automática) está levando nossa profissão a uma crise nunca vista antes e temos que lidar com esse fato com realismo. É isso que eu pretendo fazer aqui - talvez em mais de uma publicação.  Nada de negacionismo, por favor . Nada daquela bobagem de ah! na minha área não vai pegar, porque isto, porque aquilo, porque aquele outro . Porque vai pegar em todas as áreas, inclusive na sua, essa é a realidade. Sempre vai haver aqueles famosos 1% que não serão afetados pela revolução da MTPE, mas não vá contando com isso. As probabilidades são de que v'ocê caia nos 99% que não vão escapar. Por isso, aprenda a lidar com MTPE e pronto  O volume de s

Como escolher a melhor tradução?

Você está lá, traduz que te traduz, e, de repente, encontra duas traduções para a mesma frase. E aí, faz o quê? Dentre duas traduções, prefira a que mais precisamente refletir o sentido do original. Dentre duas traduções que satisfaçam a condição anterior, prefira a que estiver menos aberta a duplas interpretações. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que for mais correta gramaticalmente. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que estiver menos sujeita a críticas dos chatos de plantão. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que melhor refletir a forma do original. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que melhor fluir na língua de chegada. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que usar o vocabulário mais conhecido. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a mais breve. Se, mesmo assim, ainda

O dia em que chorei no Theatro Municipal de São Paulo

Estava no início de carreira e absolutamente deslumbrado com o fato de que um cliente, uma editora, elogiava muito meu trabalho, me dava serviço sem parar e me pressionava para não aceitar serviço de outros clientes. A vida até que corria bem. Eu entregava um livro, era pago ali, na hora, na boca do cofre e levava outro para casa para traduzir. Era como se eu tivesse serviço “de carteira assinada”. Seguro, tranquilo. Não se ganhava muito, mas era bem melhor do que eu ganhava como professor na Fisk. Um dia, a editora contratou um gerente editorial que, simplesmente, não gostou nem de mim nem de minhas traduções. Talvez ele até tivesse razão em não gostar do meu serviço, sei lá —no fim das contas, há muito de subjetivo na tradução. Mas o fato é que, quando entreguei o livro que estava traduzindo, fui pago como combinado, mas não me deram nada para traduzir. O dono da editora simplesmente me agradeceu e se despediu de mim. Cheguei em casa arrasado. Setenta por cento de meus rendim

Quer um bom dicionário de inglês?

Acordei, de madrugada, com vontade de recomendar a você alguns dos dicionários online grátis de que eu mais gosto — que não são necessariamente aqueles de que você vai gostar, mas, para usar uma frase que está já meio em desuso, valha a intenção. Para hoje, escolhi três. Outro dia, posto mais que o que não falta na web é dicionário. 1. O Oxford Collocation Dictionary . Um dicionário que não define nada, mas dá collocations (como é que a turma anda chamando as collocations em português no meio acadêmico?) aos montes. Sugestões excelentes para você, por bom que seja seu inglês — e mesmo que o inglês seja sua primeira língua.   2. O Longman Dictionary of Contemporary English Online tem excelentes definições, explicações de todos os tipos, exemplos autênticos (tirados de corpus, não da cabeça do lexicógrafo). Montanhas de remissões que ajudam a gente a conhecer melhor o significado do termo, fora um thesaurus que ajuda muito a passear pelos sinônimos do termo pesquisado.  Tem também um

Literal ≠ literário ≠ editorial

Eu lá, na plateia, ouvindo uma gente de tradução falando sobre tradução. Disseram muita coisa interessante, é verdade, mas fiquei muito surpreso com o fato de que eles chamavam literária a toda tradução feita para uma editora. Quer dizer que, na opinião deles, um livro de medicina vira obra literária por ter sido publicado por uma editora? Porque, para mim, ao menos, não vira. Para mim, tradução literária é a tradução de uma obra literária, por exemplo, um conto, quer seja publicada por uma editora, quer nem seja publicada. Por outro lado, toda tradução publicada por uma editora, seja de que assunto for, é uma tradução editorial. Outro uso que me irrita é a confusão entre literária e literal. Porque uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Tradução literária é aquilo que eu disse aí acima: a tradução de uma obra literária. Lá sei eu, poesia, prosa, o que seja. Porém, tradução literal é aquela que segue bem de perto o original, às vezes, perto demais. Por exemplo, I was

Vendendo gato por lebre: os subterrâneos da tradução

Isso foi lá para 1975. A gente tinha acabado de mudar e estava tendo uma daquelas conversas de apresentação com a vizinha. Lá pelas tantas, ela perguntou o que eu fazia e eu disse que era tradutor. Respondeu que seu filho também era tradutor, completando, não sem um certo orgulho, que o rapaz trabalhava para uma certa escritora, até hoje conhecida, mas que não posso citar por nome, porque não disponho de provas. Foi aí que eu tomei conhecimento do sombrio mundo dos bagrinhos, aqueles profissionais que fazem traduções para os figurões das letras assinarem e pagarem de tradutor. Não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, muito pelo contrário. Paulo Rónai, na “Escola de Tradutores”, nos conta a história de Frigyes Karinthy, escritor húngaro que assinava traduções feitas pelos seus bagrinhos. Deriva do fato de que muita gente — inclusive tradutores e acadêmicos — acredita que as melhores traduções literárias são feitas por bons escritores. Balela: nada impede que um bom escritor se