Como consegui meu primeiro livro para traduzir

Como disse nas duas últimas postagens, comecei minha carreira de tradutor na Arthur Andersen, uma firma de auditoria. Auditoria, caso você não saiba, é um ramo da contabilidade.

Comecei, porque precisava de dinheiro, mas logo de cara, me encantei com a tradução. Não que eu soubesse o que estava fazendo, mas, para gostar, não é necessário saber. Mas eu pensava que sabia e, todo confiante, disse à Vera, minha mulher, que ia arranjar mais serviço de tradução. Isso porque na Arthur Andersen eu trabalhava só das oito ao meio dia e, embora o pagamento fosse bom, como era só meio período, não dava para cobrir as despesas.

Minha mulher não botou muita fé, mas eu estava animado. E achei que o jeito de conseguir serviço como tradutor era telefonar para as editoras. Naquele tempo, havia pouquíssimas agências e, inexperiente que eu era, não conhecia nenhuma. Então, era editora mesmo.

Problema: meu sogro, em cuja casa eu estava morando de favor, não tinha telefone. Então, fiz o que se fazia na época: fui à sede da TELESP, a Companhia Telefônica de São Paulo, onde havia a maior concentração de telefones públicos da cidade, com cadeirinhas e mesinhas para a gente sentar e telefonar à vontade. Comprei um mundaréu de fichas (por causa da inflação, os telefones eram acionados por fichas, não moedas, como a gente via no cinema, mas isso é outra história). Esperei que vagasse um telefone e me pus a trabalho.

Primeira coisa foi pegar as Páginas Amarelas, uma lista física de todos os telefones de São Paulo, classificados por atividade do assinante e procurar “Editoras”.

Fui telefonando para todas, oferecendo meus serviços. Cada telefonema que fazia, era um “não” que recebia. Chegando ao fim das editoras de São Paulo, peguei as Páginas Amarelas do Rio de Janeiro e meti ficha. Nada. Voltei para São Paulo, onde faltavam duas ou três editoras para contactar. A primeira da minha lista era a Editora Atlas, justamente a maior editora de livros sobre contabilidade no Brasil de então. E a Arthur Andersen, não se esqueça, era uma firma de auditoria, que é um ramo da contabilidade.

A telefonista que me atendeu me passou para um senhor, que me atendeu não sem uma certa arrogância. Se você souber traduzir — disse ele — temos serviço para você. Irritado pelos “nãos” que tinha recebido, cansado por ter ficado mais de uma hora telefonando para editoras, resolvi pagar na mesma moeda: Sou tradutor da Arthur Andersen, conhece? Ao que ele respondeu, com uma voz mais educada: o senhor pode vir aqui conversar conosco?

O nome da Arthur Andersen tinha me transformado de você em senhor e tinha me conseguido a primeira entrevista.

No dia seguinte, devidamente engravatado e esperançoso, foi à Editora Atlas. Mas essa história fica para amanhã, que esta postagem já está longa demais.

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