Como perdi minha inocência tradutória

A postagem de ontem, sobre como virei tradutor, causou tanto interesse, que me deu ânimo para continuar a história. Não, não tem nada de emocionante, mas acho que você vai gostar.

A Arthur Andersen era uma das oito maiores firmas de auditoria do mundo (hoje são só quatro) e, juntamente com suas concorrentes, tinham combinado de traduzir um tal de Intermediate Accounting, um calhamaço sobre contabilidade escrito por alguém cujo nome agora me escapa, a ser publicado por uma editora, sob o patrocínio de uma instituição de ensino superior. Caso você não saiba, a base da auditoria é a contabilidade.

Me deram um pedaço do livro para traduzir. Digo “um pedaço” porque a instituição que ia patrocinar a publicação tinha rasgado um exemplar do livro físico em pedaços e dado um naco para cada uma das oito grandes firmas de auditoria, todas as quais tinham escritórios em São Paulo.

A ideia era depois juntar a colaboração das oito e enviar a uma editora, para que preparasse a edição brasileira a partir da colcha de retalhos que ia sair. Vai vendo o nível de profissionalismo.

Me ensinaram como usar aquela engenhoca do Dictaphone, me deram um Michaelis publicado em 1958 e também um dicionário técnico de contabilidade atribuído a Martin Altman, mas, na verdade, preparado pela equipe da Price Waterhouse, maior rival da Athur Andersen. Me deram, também, uma Xerox de um glossário de termos técnicos, preparado por uma conhecida instituição de ensino de outro estado.

Eu não entendia nada de contabilidade, nada mesmo, nadica de coisa nenhuma e fiquei todo esperançoso com o raio do glossário que, embora estivesse no sentido contrário ao que eu queria (era português → inglês) achei que ia resolver todos os meus problemas de terminologia técnica. Abri para xeretar e um dos primeiros verbetes que li dizia “imposto sobre a renda : tax on lace”. Foi aí que perdi minha inocência e, de cambulhada, minha confiança em glossários

Amanhã tem mais um capítulo desta desemocionante novelinha.

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