Que porra é essa?

Porra é uma palavra extraordinária e fascinante. Sua etimologia, segundo o dicionário do Antônio Geraldo da Cunha, é obscura. Para mim, parece ser exclusivamente ibérica: existe em português, galego, catalão e até em euscaro (ou basco, como se dizia antigamente) – que é ibérico, mas nem indo-europeu é. Entretanto não parece ter correspondente etimológico nas outras línguas românicas.

Em todas essas línguas, significa um objeto alongado, geralmente de madeira. Em espanhol, por exemplo, pode ser um cacete (ou cassetete) ou uma baliza, aquele objeto usado para fazer malabarismo à frente de uma banda de música.

Em português, como nos ensina Bluteau. “Porra, s.f. (hoje t. obsceno) significava antigamente clava, pau com cabeça, ou peça semelhante de ferro com que se brigava, para massar as armas, onde não era fácil entrar lança.”

Na verdade, parece que as porras eram armas usadas pelos clérigos, proibidos de usar armas de gume, como as espadas. Nesse sentido, usa-se hoje o diminutivo porrete e seu derivado porretada.

Porém, o sentido da palavra evoluiu muito. De clava/cacete/cassetete/porrete, por metonímia, passou a pênis, talvez pela velha compulsão masculina de celebrar uma forte e constante ereção. Aliás, a própria palavra cacete é usada nesse sentido.

Uma segunda metonímia, transformando o continente em conteúdo, levou a esperma, uma ampliação de sentido, fez com que porra fosse aplicado a tudo o que tivesse uma consistência pastosa e algo asquerosa. Ainda me lembro de um colega de colégio se referindo ao conteúdo do pastel de palmito como porra do chinês. Finalmente, aplica-se a toda e qualquer coisa cujo nome não seja lembrado ou não se queira dizer: Que porra é isso?

Daí, passou para uma espécie de expletivo: Quando a gente quer, não encontra uma porra duma caneta nesta casa! Onde foi parar a porra da chave? Tem até usos que eu nem consigo classificar: essa caneta da porra não escreve! que me parece originado em algum recanto do Nordeste e está ficando cada vez mais popular em São Paulo, como tantas expressões nordestinas.

Para muitos, é uma interjeição: — Porra! como é que você faz uma coisa dessas?—Porra! O que você queria que eu fizesse?

Para outros, virou uma espécie sinal de pontuação, intercalado entre vírgulas. Então, porra, eu chego em casa e, porra, meu filho me pergunta…

Mas ainda é um termo mais masculino que feminino. Poucas mulheres usam porra. Usam, muitas vezes uma forma, digamos, diluída: poha, achando que é uma variante menos grosseira. Poha também é usado, como o mesmo objetivo, por alguns cavalheiros, quando há senhoras por perto. Na minha opinião, não faz a mínima diferença, mas a minha opinião não faz a mínima diferença aqui.

Pois é, essa porra de palavra percorreu um longo caminho, mesmo depois que os portugueses pararam de enxotar os mouros de Portugal a força de muita porrada.

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