Como traduzi meu primeiro livro
Botei uma folha de papel de jornal formato ofício na minha briosa Olivetti 44 semiportátil, que eu chamava, carinhosamente a azeitonhinhas. Escrevi, em maiúsculas, ANÁLISE DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS, dei na alavanca de entrelinha (a mamãe da tecla enter), escrevi John N. Meyer, dei mais umas entrelinhas e escrevi, borbulhando de orgulho: Traduzido por Danilo Nogueira. Mas nada de itálico, claro, porque máquina de escrever não tinha essas frescuras.
Tirei a folha da máquina, pousei do meu lado, com a parte
escrita para baixo, e comentei com a Vera, que estudava para o vestibular
sentada perto de mim: ganhei dez cruzeiros. Porque a Atlas pagava Cr$
10,00 por lauda, o mesmo que a Fisk pagava por uma hora de aula interna, e eu
tinha acabado de datilografar minha primeira lauda.
Porque era assim que um tradutor todo modernoso fazia nos
tempos d’antanho. Digo modernoso, porque a maioria dos tradutores ainda
traduzia em manuscrito, usando folhas de papel almaço e, muitas vezes,
caneta-tinteiro.
Lembro de uma reunião de tradutores, lá para mil novecentos
e setenta e poucos, na Ibero, onde havia o único curso superior de tradução em
São Paulo. Foi muito divertido: sabendo que eu vivia de traduzir, formou-se uma
rodinha de alunos em torno de mim e, quando descobriram que eu traduzia direto
numa maquineta de escrever, me explicaram, detidamente, que isso não era
possível.
No próximo capítulo, falo mais sobre essa reunião da Ibero.
Só se conformaram quando eu disse que traduzia basicamente
contabilidade. Bom, aí, então, é técnica e talvez até dê, mas literatura,
não dá, comentavam, com aquela humildade que era característica da pessoa
que acha que só tradução literária é tradução de verdade e que, depois
da formatura, ia traduzir alta literatura. Mas vi muito livro ser apresentado à
Editora Atlas em manuscrito, que era encaminhado a um datilógrafo que passava a
limpo em formato de laudas. Hoje até parece divertido.
Não tendo computador, não tinha Internet e todos os recursos
de pesquisa eram físicos. Na verdade, em cima da escrivaninha, tinha os mesmos
Michaelis de 1958 que na Arthur Andersen (que eu tinha comprado havia anos),
mais um exemplar do Dicionário de contabilidade do Altman, que eu tinha
comprado logo depois de entrar para a Arthur Andersen. Só.
O pior, entretanto, é que eu não sabia absolutamente nada de
contabilidade. Mas, disso, falo outro dia, que, por hoje, já deu.
Obrigado pela visita e volte sempre.
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