Quem sou eu?

Meu nome é Danilo e eu sou tradutor. Não tenho títulos acadêmicos: não sou nem professor nem mestre nem muito menos doutor: meu único título é o de eleitor. Mas eu sou tradutor. Desde 1970. Faz tempo e estou aposentado, é verdade, mas aposentado não é profissão, é condição, situação, o que você queira, mas não é profissão. Minha profissão é tradutor e acabou a história.


Gosto muito de traduzir, porque acho traduzir uma festa.


Quer dizer, gosto de ver um trecho em inglês e descobrir como se diz a mesma coisa em português. Ou vice-versa: também gosto de ver um texto em português e ficar cutucando o bestunto para saber como se diria a mesma coisa em inglês. Não interessa se o texto é técnico, literário, religioso ou anatomopsicossociometafísico do climatérico clavicórdio: se está numa língua, fico me perguntando como ficaria na outra e pronto. É compulsivo.


Traduzo do inglês (e, em alguns casos, do português), mas isso não tem nada que ver com o famoso amo a língua inglesa: tem a ver com o amo a tradução. Porque são coisas diferentes: tem gente que ama a língua inglesa (ou francesa, ou eslobóvia, ou que diabo seja) e detesta traduzir.


Aliás, amo a todas as línguas e gostaria de saber todas. De vez em quando, me dá uma bruta duma vontade de aprender submongolês oriental que mal me aguento. Mas nada a ver.


Alguns detestam traduzir de tanto que amam a língua inglesa: para eles, o inglês é uma língua tão superior, sagrada, tão magnífica, tão extraordinária, que é impossível traduzir do inglês (ou do francês, ou do baixo marciano medieval ou o que seja) para qualquer outra língua.


Quem ama a tradução sabe que toda tradução é impossível mas, mesmo assim, continua traduzindo do mesmo jeito, porque traduzir é necessário, parafraseando o general romano Pompeu, que teve a ideia do “navegar é preciso” bem antes do Fernando Pessoa.


Quer dizer, não é que eu não ame a língua inglesa: amo, sim – e profundamente. Mas amo também, e mais ainda, a língua portuguesa. É em português que eu sinto. Sei dizer shit, mas, na hora do aperto, é merda mesmo que sai.

Gosto de traduzir qualquer coisa: se o texto é bom e bonito, gosto de traduzir, porque é bom traduzir textos bons e bonitos. Se o texto está um lixo, gosto de traduzir porque é bom traduzir textos que são um lixo. Aliás, traduzir textos que são um lixo é bom por que é um desafio e tanto para quem ama a tradução – desafio bem maior do que traduzir textos bons e bonitos.


Já traduzi muito lixo, tanto do inglês como para o inglês, e é de textos absolutamente horrorosos que fiz algumas das minhas melhores traduções.


Porque tradução é tradução, é missão, não passatempo remunerado. Porque eu sou tradutor profissional e um profissional traduz o que é necessário traduzir e não recusa um texto porque não é bonito.


Gosto de traduzir qualquer coisa, mas quase tudo o que traduzi na vida foi na área de finanças e quejandos. Não é que eu prefira finanças, é que a vida jogou a área no meu colo, virei especialista e me tornei escravo da minha especialidade.


Mas traduziria outras, coisas, traduziria até literatura. Aliás, uma vez traduzi até um soneto de Shakespeare, mas isso foi para impressionar uma mulher pela qual estava apaixonado. Saiu boa a tradução? Bom, de acordo com a teoria do Skopos, saiu ótima, porque eu casei com a menina. Valeu?


Valeu, claro. Traduzir sempre vale, porque traduzir é uma festa.


…oooOOOooo…


O texto acima foi lido por mim no número 41 do podcast A voz do tradutor e está sendo republicado aqui com a gentil permissão da Damiana Rosa, a responsável pelo podcast. Toda semana sai um novo podcast, sempre com novidades e informações para quem se interessa por tradução, contadas por uma porção de colegas nossos. Vale a pena ouvir.

Comentários

  1. É sempre um deleite ler o que escreves!

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  2. É sempre um deleite ler o que escreves! :)

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  3. "Porque tradução é tradução, é missão, não passatempo remunerado." Depois do dia difícil que tive hoje como profissional de tradução, é um alento ler isso. Obrigada, Danilo.

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  4. Adorei o texto ... muito bom Danilo. Prazer em te conhecer.

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