A norma culta
– Nossa, que horror, essa frase dói no ouvido!
– Ué, mas por quê?
– Porque não é assim que se diz.
– Como “não é assim que se diz”? Se todo mundo diz assim e porque é assim que se diz!
– Todomundo diz assim mas o Todomundo fala errado. Muito errado!
– Mas o que manda não é o uso?
– O que manda é o bom uso.
– E como é que eu sei o que é o bom uso?
– Ué, consulta uma gramática.
– Já me deram esse conselho. Consultei a Nova Gramática da Língua Portuguesa do Pafunciano Picafumo e ele diz que esse meu uso é certo.
– Mas precisa ver numa boa gramática. O Pafunciano é um analfabesta. Vai ver na Escafandrina.
– Mas se cada gramático diz uma coisa, como é que eu vou saber quem está certo?
– Está certo quem descreve o bom uso.
– Sim, de acordo. Mas o que é o bom uso?
– O que está descrito nas boas gramáticas, claro!
– Você não acha que estamos parecendo um cachorro correndo atrás do próprio rabo?
– O bom uso é o das pessoas cultas. Está satisfeito, agora?
– E o que é o uso das pessoas cultas?
– É o que está nas boas gramáticas, claro!
– Continuamos dando voltinhas.
– Você não vai agora negar que exista uma norma culta, ou vai?
– Não, claro que não. Estou só tentando entender o que é a norma culta sem ficar dando voltinhas atrás do meu próprio rabo mental.
– Está bom, posso definir com exemplos?
– Pode tentar, mas acho que não vai conseguir.
– “Nós vamos” é norma culta. “Nós vai” não é. Serve?
– Sim, neste caso não resta dúvida. Até eu que sou mais bobo sei. Mas há inúmeros casos duvidosos.
– Vamos começar tudo de novo? Seguinte, em caso de dúvida, consulte uma gramática, mas que seja uma boa gramática. Pronto!
(Passa o garçom, com uma bandeja cheia de copos de chope e deixa dois na mesa deles, retirando os copos vazios. Os dois brindam, silenciosamente, e tomam um longo sorvo do áureo líquido. Depois, olham um para o outro e começam a falar de outra coisa. Essa conversa não ia dar em nada, mesmo.)
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