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"É só um proofreadingzinho"

Tem aquela normazinha ISO 17100, que, em português virou NBR ISO 17100, sob os cuidados do nosso colega Ricardo Souza.  Não vou aqui me meter a dissecar o raio da norma, mas vou me ater a algumas definições — em inglês e português — que há tempos causam confusão e problemas, às vezes por ignorância, outras vezes por esperteza.  1. Tradutores traduzem (translate), quer dizer, passam de L1 a L2. Depois, conferem (check) sua tradução com o original, para ver se está tudo a contento. O pagamento da tradução cobre também a conferência.  2. Uma segunda pessoa revisa (edits) a tradução. Nessa fase, o revisor (editor) tem à sua frente tanto original quanto tradução e compara ambos cuidadosamente. Para a maioria das agências, aí para o processo e a tradução é dada como pronta e enviada ao cliente. Quem revisa (edits) costuma ganhar por palavra cerca de 50% do que é pago a quem traduz.  3. Quase nenhuma agência entra na terceira fase, que é a leitura de provas (proofreading), em que

Essa coisa de versão

Quando eu comecei, em 1970, ninguém me disse que, sendo brasileiro, não deveria me meter a traduzir para o inglês. Então, muito metido, fui e traduzi.  Saiu uma porcaria. Meu chefe — porque eu ainda tinha emprego, naquela época — disse que meu inglês era macarrônico. E era. E o pior é que eu não sabia como desmacarronizar meu inglês. Minha gramática era muito boa (ainda é) e o vocabulário, num texto altamente técnico, era perfeito. Mas estava ruim. Muito ruim. Credo, São Jerônimo! Como a gramática estava correta e as escolhas terminológicas estavam acertadas, não havia, realmente, como dizer porque meu inglês estava ruim. Não era um caso de corrigir um “she don’t” ou coisa pior ou emendar um “active” quando se tratava de “assets”. Coisa assim. Era coisa que não se encontrava nos livros. Na verdade, eu até que não escrevia mal em inglês. Mas minha tradução para o inglês é que era péssima.  Foi depois de ter feito essa observação, que eu comecei a melhorar. Descobri que, para traduzir be

How do you say “you” in Portuguese?

  “Como se diz you em português?” “Bom, depende!”     [Tu] — You are my friend <> tu es meu amigo. [Vós] — You are my friend <> vós sois meu amigo. [Você] — You are my friend <> você é meu amigo. [Vocês] — You are my friends <> vocês são meus amigos. [O senhor] — You are my friend <> o senhor é meu amigo. [A senhora] — You are my friend <> a senhora é minha amiga. [Os senhores] — You are my friends <> os senhores são meus amigos. [As senhoras] — You are my friend <> as senhoras são minhas amigas. [Vossa senhoria] — You are my friend <> vossa senhoria é meu amigo. [Vossemecê] — You are my friend <> vossemecê é meu amigo. [Vocemessês] — You are my friend <> vossemecês são meus amigos. [Para você] — I will bring you the book tomorrow <> Trago o livro para você amanhã. [Para vocês]— I will bring you the book tomorrow <> Trago o livro

Tradução: Profissão em crise (2)

Não acredito que a tradução automática algum dia vá ser melhor do que uma tradução humana feita por alguém competente, porém, as traduções automáticas que tenho visto por aí já estão bem melhores que muita tradução humana feita por gente incompetente, que ainda por aí à solta, a assustar a gente. Na verdade, acho que, nos dias de hoje (e mesmo no futuro), a melhor tradução possível para qualquer tipo de texto é uma tradução automática revisada por um bom tradutor humano, alguém que esteja livre dos preconceitos contra a tradução automática, tão comuns entre nós. A tradução automática, além de umas tantas estultices que a turma mais conservadora adora apontar, tem diversas excelentes sacadas e, quando passa pelo crivo de quem sabe das coisas, produz um ótimo resultado final. A tradução automática funciona melhor quando o texto de partida é de boa qualidade. O duro, para a tradução automática, é enfrentar texto ruim. Se o texto entra ruim, sai pior ainda, essa é a verdade. Daí se pode de

Tradução: profissão em crise (1)

Esta é a primeira de várias postagens sobre a crise que está afetando nossa profissão (digo “nossa”, porque, aposentado ou não, continuo sendo tradutor). Espero que você goste e poste seu comentário, quer aqui, quer onde você viu o convite para ler esta postagem. A MTPE (Machine Translation Post Edition, MTPE, ou em português Pós-edição de tradução automática) está levando nossa profissão a uma crise nunca vista antes e temos que lidar com esse fato com realismo. É isso que eu pretendo fazer aqui - talvez em mais de uma publicação.  Nada de negacionismo, por favor . Nada daquela bobagem de ah! na minha área não vai pegar, porque isto, porque aquilo, porque aquele outro . Porque vai pegar em todas as áreas, inclusive na sua, essa é a realidade. Sempre vai haver aqueles famosos 1% que não serão afetados pela revolução da MTPE, mas não vá contando com isso. As probabilidades são de que v'ocê caia nos 99% que não vão escapar. Por isso, aprenda a lidar com MTPE e pronto  O volume de s

Como escolher a melhor tradução?

Você está lá, traduz que te traduz, e, de repente, encontra duas traduções para a mesma frase. E aí, faz o quê? Dentre duas traduções, prefira a que mais precisamente refletir o sentido do original. Dentre duas traduções que satisfaçam a condição anterior, prefira a que estiver menos aberta a duplas interpretações. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que for mais correta gramaticalmente. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que estiver menos sujeita a críticas dos chatos de plantão. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que melhor refletir a forma do original. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que melhor fluir na língua de chegada. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a que usar o vocabulário mais conhecido. Dentre duas traduções que satisfaçam as condições anteriores, prefira a mais breve. Se, mesmo assim, ainda

O dia em que chorei no Theatro Municipal de São Paulo

Estava no início de carreira e absolutamente deslumbrado com o fato de que um cliente, uma editora, elogiava muito meu trabalho, me dava serviço sem parar e me pressionava para não aceitar serviço de outros clientes. A vida até que corria bem. Eu entregava um livro, era pago ali, na hora, na boca do cofre e levava outro para casa para traduzir. Era como se eu tivesse serviço “de carteira assinada”. Seguro, tranquilo. Não se ganhava muito, mas era bem melhor do que eu ganhava como professor na Fisk. Um dia, a editora contratou um gerente editorial que, simplesmente, não gostou nem de mim nem de minhas traduções. Talvez ele até tivesse razão em não gostar do meu serviço, sei lá —no fim das contas, há muito de subjetivo na tradução. Mas o fato é que, quando entreguei o livro que estava traduzindo, fui pago como combinado, mas não me deram nada para traduzir. O dono da editora simplesmente me agradeceu e se despediu de mim. Cheguei em casa arrasado. Setenta por cento de meus rendim